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O ACUSADO E SEU DEFENSOR

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A primeira análise a ser feita é a de que o acusado pode ser processado ainda que não se conheça a sua identidade pessoal, mas é certa a sua identidade física. A descoberta superveniente de sua verdadeira qualificação pessoal autorizará a retificação, mesmo que o processo esteja em fase de execução penal. Em outras palavras, a retificação pode ser feita a qualquer tempo. Isso é o que consta do art. 259 do CPP: “A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes.

Dispositivo que está em voga nos dias atuais de “Operação Lava-Jato”, é o que consta do art. 260 do CPP “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença” em que autoriza a chamada condução coercitiva do acusado para seu interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser autorizado. Como se tornou público, o ex-Presidente da República foi submetido à condução coercitiva, o que gerou polêmica acerca da sua validade ou não, apesar de expedida por meio de ordem judicial. Pela análise do art. 260 do CPP, não haveria nenhum óbice à realização do ato, uma vez que nesse dispositivo consta que o acusado poderá ser conduzido “para o interrogatório”. Todavia, tal pensamento não pode mais prosperar com a nova interpretação que o Supremo Tribunal Federal conferiu para tal artigo de lei, nas ADPF’s 395 e 444, em que se constatou a impossibilidade de novas conduções coercitivas a partir do julgamento mencionado.

O STF entendeu que a condução coercitiva é uma restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo, portanto, incompatível com a Constituição Federal, que assegura esses dois princípios constitucionais. Além disso, lastreado no direito ao silêncio, caso o acusado compareça ao seu interrogatório e exerça o seu direito constitucional de calar-se, isso também seria possível pela opção em não comparecer ao citado ato. A obrigação de comparecer seria, muitas vezes, para constranger o acusado perante todo o sistema penal e até mesmo visando ao clamor público em certas situações midiáticas. Ora, o processo penal não pode ser um meio de exposição desnecessária de quem quer que seja, sendo importante que se cumpram as regras do jogo.

Por fim, com base na proibição de autoincriminação, como não é dado a ninguém produzir prova contra si mesmo, também não teria sentido obrigar o acusado a comparecer ao seu interrogatório de forma coercitiva para falar algo a respeito dos fatos, uma vez que ele não é obrigado a manifestar-se e tem direito ao silêncio.

Em razão do exposto acima, o art. 260 do CPP deve ser lido sem a expressão “para o seu interrogatório”, não sendo possível a sua convocação para esse ato que é, inclusive, o momento de exercer a sua defesa, caso queira fazê-lo.

No que concerne ao disposto no art. 261 do CPP: “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. A necessidade da presença de defensor é de suma importância, inexistindo qualquer possibilidade de alguém responder ao processo criminal sem a presença de advogado ou defensor público. A ideia de defesa indispensável para o acusado consubstancia-se na aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Tamanha é a importância da presença do advogado que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Ainda no tema da presença de advogado como imprescindível ao processo, outra súmula pretoriana é importante destacar: Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Importante consideração acerca da ampla defesa é a sua subdivisão entre “autodefesa” e “defesa técnica”, sendo que aquela é exercida pelo próprio acusado, por meio do interrogatório e da sua presença nos atos processuais (direito de presença e direito de audiência). Já a última é exercida por meio de Advogado, Defensor Público ou Dativo, sendo o primeiro profissional particular, remunerado pelo investigado ou réu, sendo que os demais profissionais são defensores nomeados para aqueles cidadãos pobres no sentido legal (hipossuficientes). Há também a figura do defensor ad hoc, que também é um advogado, porém, nomeado apenas para um ato específico (ex: oitiva de uma testemunha).

Em se tratando do exercício efetivo da defesa técnica, caso o defensor não possa comparecer à audiência, havendo motivo justificado, ela poderá ser adiada. Todavia, o adiamento somente será feito se o advogado provar o impedimento até a abertura da audiência, sendo que, se não fizer tal prova até esse momento, inexistirá o adiamento e outro advogado será nomeado para o ato, podendo ser um defensor público ou um advogado ad hoc. Assim, o adiamento é possível, desde que exista uma motivação idônea para o seu não comparecimento.

O meio de se constituir defesa técnica, quando realizada por advogado particular, é o instrumento de mandado (procuração). Importante, contudo, considerar a regra do art. 266 do CPP, “a constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório”, ocasião em que será dispensado o aludido instrumento de mandado, haja vista que o advogado foi constituído por ocasião do interrogatório do acusado.