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CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

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Os tipos penais previstos na Lei n. 8.137/90 demonstram que a descrição das condutas que constituem infrações penais tributárias é repleta de elementos normativos. Os elementos normativos dos tipos penais são expressões contidas no preceito primário das normas penais incriminadoras, os quais dependem de um juízo de valoração por parte do intérprete ou aplicador, já que algumas dessas expressões possuem caráter subjetivo ou mesmo, carecem de complementação.

Quando o preceito primário (a descrição da conduta proibida ou imposta por lei) da norma penal incriminadora precisar de um complemento para que possa ser compreendido e aplicado, essa norma receberá o nome de norma penal em branco. A título de exemplo, podemos citar o próprio art. 1º da lei, que contém expressões como “tributo”, “contribuição social”, “acessório”, “nota fiscal”, entre outros. Todos esses elementos do tipo objetivo de crime acabam, no fundo, sendo definidos por normas de natureza administrativa ou tributária (Código Tributário Nacional, portarias, resoluções, instruções normativas da Fazenda Pública etc.). Dessa maneira, a conduta proibida na esfera penal é determinada, em parte, por outras normas jurídicas, de outras áreas.

Esse sistema complexo de normas tributárias e administrativas que delimitam, de certo modo, o espectro de incidência criminal, podem causar enormes dificuldades nos aplicadores do Direito, não apenas em razão do fato de as normas estarem espraiadas em inúmeros atos normativos diversos como, também, pela própria especificidade que cerca cada uma desses temas. Se para nós, juristas, pode parecer complicado, imagine o que representa a burocracia legislativa para os indivíduos que não possuem formação em Direito, Contabilidade ou ramos afins e que, normalmente, são os destinatários dessas normas, como os empresários, contribuintes ou responsáveis, sujeitos passivos da obrigação tributária (que poderão vir a se tornar autores do crime).

Nada impede, pelos fatores mencionados, que o réu alegue o erro de tipo (pela falta de consciência ou ignorância do fato ou de alguma elementar típica – art. 20 do Código Penal) ou erro de proibição (desconhecimento da proibição ou imposição legal – art. 21 do Código Penal). Como adverte Fernando Galvão:

“Para a caracterização dos crimes em exame, é necessário que o sujeito ativo tenha perfeita compreensão quanto ao significado dos elementos normativos do tipo. O erro quanto à natureza tributária de uma obrigação acessória, por exemplo, é causa de inadequação típica, em razão do erro de tipo (art. 20 do CP) que provoca a exclusão do dolo e torna o fato penalmente irrelevante.”

Na prática, ainda, é preciso atentar para as alterações ocorridas nas normas tributárias e administrativas que complementam as elementares objetivas dos crimes contra a ordem tributária. Pode ser o caso, por exemplo, da revogação do complemento da norma penal em branco dar ensejo à retroatividade da lei penal mais benéfica. Ex: “A” é processado por ter sonegado o pagamento de um determinado tributo. Posteriormente, a lei tributária é alterada isentando uma determinada classe de pessoas (na qual A se insere) do pagamento desse mesmo tributo. Evidente que, nessa hipótese, “A” não poderá continuar sendo processado criminalmente pelo descumprimento daquilo que, atualmente, não constitui mais conteúdo de sua obrigação.

Para finalizar, a jurisprudência ainda reconhece, em sede de crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social, a possibilidade de arguição de inexigibilidade de conduta diversa como hipótese absolutória caso fique demonstrado, cabalmente, pelas provas dos autos, que a sonegação tributária era a única alternativa que permitiria a continuidade das operações da pessoa jurídica. Nesse caso, a tese pode se comprovar pela existência de dívidas trabalhistas execuções fiscais, protestos e toda sorte de dificuldades financeiras da pessoa jurídica e, até mesmo, da pessoa física, de maneira a se evidenciar a precária situação em que se encontra a sociedade e seus sócios.